Momentos que contam – Nelson

O Táscuela tem pouco mais de dois anos, mas são muitos os vinhos provados e as histórias contadas por Nelson Moleiro, farmacêutico de profissão, que tem no desporto e nas viagens os seus melhores remédio! Fiquem com mais um Diz Que Disse!


Vamos à luta pela divulgação da região, do bom vinho, custe o que custar, doa a quem doer, contra interesses económicos instalados.

Nelson Moleiro

Táscuela, um nome escolhido ao acaso ou memórias antigas que preferes não contar?

Não foi escolhido ao acaso. Foi sempre algo comum no núcleo de amigos, aquela máxima de quando um gajo já está bem bebido, com uns pirolitos a mais “Já táscuelaaaa”. Vai daí achei ser um nome porreiro e até um bocado mundano, o que se inseria no meu conceito. Quanto a memórias, nada assim de Hall of Shame, mas tenho vários episódios que me colocariam no Hall of Fame.

O teu primeiro post foi a 10 de junho de 2016, Dia de Portugal, e tinha como destaque um garrafão de vinho, hoje na Adega do Parente ainda se bebe um copito ou achas que aos poucos vamos perdendo essa cultura?

Infelizmente a Tasca do Parente, tal como todas as outras fecharam. Mira de Aire naquela altura dos anos 80 era uma vila com mais de uma dezena de tascas. Tudo mudou, pela natural evolução, pelo aparecimento das tecnologias, etc. Entidades como a ASAE também vieram meter mais um prego no caixão. Muitas dessas tascas obviamente precisavam de outras condições, mas muito património social e cultural se perdeu. As tascas até poderiam causar problemas sociais e familiares graves, mas na globalidade eram um núcleo importante de dinâmica e convívio regionais, principalmente em zonas interiores. Veja-se o exemplo que os espanhóis dão com as tapas e um copo de vinho ao final do dia. Penso que  algo semelhante se poderia adoptar em Portugal de maneira a criar uma cultura de consumo de vinho. Casas de petiscos e winebars que criassem movimento e dinâmica de preço justo. O problema é que se associou o consumo de vinho a uma certa ideia de elite.

Vinho, Gin e Enoturismo, o que ficou para trás em dois anos e meio de blog?

Tanta coisa. Quanto mais provo mais certeza tenho que preciso de provar e conhecer mais. O Enoturismo era algo que já fazia há algum tempo e que procurei aprofundar mais. Adoro viajar e aliar isso a provas de vinhos e dormidas em locais magníficos, deixa de se tornar um hobby para passar a ser uma paixão. O Gin era algo que habitualmente fazia parte dos meus hábitos, hoje em dia tem sido cada vez menos, o vinho passou a ser o meu foco. Sejamos francos, Gin é Gin, aquilo não muda nem tem muito que saber, já os vinhos estão sempre a mudar, novas colheitas, perfis, enologias, modas etc.

Dizes na tua apresentação que és um autodidata e que procuras o que sempre sentiste falta em Portugal, já encontraste o que procuravas?

Quando escrevi isso referia-me a uma fase que achava que tudo começava e acabava nas revistas. Hoje, já com outros conhecimentos da realidade no sector, julgo estarmos um pouco melhor, o digital já tem bastante influência no mercado dos vinhos. Achava que faltavam pessoas a escreverem e falarem sobre vinhos para consumidores reais e não só para profissionais e enófilos mais experientes. Acho que ainda há um longo caminho a percorrer mas estamos um pouco melhor, ainda que produtores e agências estejam coladas a velhos vícios e compadrios. Eu lia uma nota de prova de vinho numa revista e pensava para mim, “Isto a mim não me diz absolutamente nada, não retiro grande conteúdo na decisão de compra ou não”. Hoje sei que muito do que circula é treta. 

Começaste por escrever sobre um Vallado tinto 2013, salvo erro, hoje são constantes as publicações de vinhos do Dão ou estrangeiros, caso para dizer que mudam-se os tempos, mudam-se as vontades?

O Dão é a minha região de eleição em Portugal, a nossa Borgonha. Obtemos ali os vinhos mais elegantes, capazes de ombrear com grandes vinhos estrangeiros. Quinta da Pellada, Casa da Passarella, Quinta dos Roques entre outros. Além disso, vamos conseguindo arranjar bons vinhos a preços cordiais, bom e barato, para ser directo. A parte dos vinhos estrangeiros vem pela tentativa de descoberta. Compro muito online em garrafeiras estrangeiras, e a par disso, um núcleo de amigos que vão partilhando dicas e vinhos contribuem imenso. É isto que fundamentalmente me faz gostar do mundo dos vinhos, convívio e partilha.

Os “Vikings” vieram para abanar a estrutura. Sentes-te um “viking” de intervenção ou um “enófilo” guerreiro sempre há procura do melhor vinho?

Os “Vikings” é uma brincadeira que usamos entre amigos, principalmente inseridos no âmbito dos #daowinelovers. Vamos à luta pela divulgação da região, do bom vinho, custe o que custar, doa a quem doer, contra interesses económicos instalados. Ao fim ao cabo somos uns maluquinhos com bom sentido de humor que falam de coisas sérias de uma forma diferente.

Passamos agora para a gastronomia Mirense, nomeadamente, com uns Tortulhos da Avó Carmo, qual a harmonização perfeita passados dois anos? Recordo-me que escolheste um Alentejano e um Tejo.

Essa é boa, um Alentejano e um Tejo, logo regiões que estou mais afastado hoje em dia. De referir que o tortulho é uma iguaria Mirense algo semelhante aos maranhos mas bem melhor. É feito com borrego, 100%, um enchido com arroz que contém muita gordura. Gosto de acompanhar com um tinto Bairrada, um Baga com alguns anos é bom, mas também já provei e gostei com espumantes brutos, e alguns brancos gordos e com estágio. Os vinhos têm que ter acidez, é fundamental para uma boa harmonização. Mas como se costuma dizer, nesta de harmonizações, cada um com a sua.

Portugal, Espanha, França, quais são para ti as grandes diferenças no que toca aos vinhos?

Conheço muito pouco de França, principalmente os Chenin do Loire, os Riesling da Alsácia e alguns Borgonha. Tenho sorte de ter conhecido in loco estes locais e provar junto de produtores de renome. Basicamente quando bebemos alguns desses grandes vinhos, a nossa apreciação sobre os vinhos nacionais torna-se mais justa e balizada. Não podemos dizer que temos os melhores vinhos se não provarmos lá fora. Mas já vamos tendo óptimas surpresas mesmo nos brancos, por exemplo um Primus, um Muxagat Os Xistos Altos, Sanjoanne Superior. Em Espanha procuro experiências diferentes, albarinos, tintos atlânticos, e vinhos das Canárias. Vai ao encontro de uma definição de perfil pessoal. Adoro albarinos de Rias Baixas, poderia enumerar aqui vários produtores, projectos em expansão na Ribeira Sacra, Fedellos do Couto e DaTerra Viticultores ou Suertes del Marqués nas Canárias.

Obviamente isto não vem do acaso, vou trocando impressões com amigos da área, lendo novidades, e a coisa dá-se. Não nos podemos esquecer, e isto é uma opinião pessoal, que 90% do vinho em França e em Espanha é mau ou assim-assim. Obviamente só recorro além fronteiras se for para provar algo que ache que valha destaque. Em Portugal a qualidade dos vinhos aumentou muitíssimo, depois a questão de perfil ou gosto é outra história. Isso e a uniformização de muitos vinhos, que passaram a ser iguais de Norte a Sul

Trocamos por diversas vezes dicas e sugestões de vinhos, sentes que as redes sociais hoje servem única e exclusivamente para vermos quem abre a garrafa mais exclusiva, sem um conteúdo associado?

Ultimamente tem sido um pouco isso. Como dizia o Pedro Garcias um dia destes num artigo, o vinho tornou-se um produto de “rico” e de elitismo, muitas vezes assiste-se a malta a disputar quem publica a garrafa mais cara ou mais exclusiva. Muitas pessoas compram por ser caro, não pelo valor real do vinho ou prazer que lhes vai proporcionar. Mas é algo que não conseguimos evitar ou controlar. Se fores ver, grande parte do vinho mais caro e exclusivo por esse mundo fora está nas mãos de quem nunca irá apreciar ou dissecar aquele vinho propriamente. É assim. 

Por último, consideras que muitas marcas optam cada vez mais pelos ‘Yes Man’, ou pelos amigalhaços e não por quem realmente trabalha e tenta passar informação de valor aos leitores/visualizadores?

Já tivemos esta conversa várias vezes. Na realidade é o que se passa, e à vista de todos. Acho que é o pior que os produtores podem fazer. Então mas gostamos de tudo? Eu alguma vez vou gostar de tudo o que provo? Claro que não! Mas se escrevo algo sobre um qualquer vinho, é porque ele se destacou aos meus olhos de alguma forma. As marcas deveriam dar acesso ubíquo, e aceitar diferentes perspectivas. Mas por vezes o problema é até das agências de comunicação que trabalham para os produtores. É um assunto que daria pano para mangas. Estamos numa era que se opta sem pestanejar por cachorros amordaçados, ao invés de alguém que raciocine e opine, ou seja, a verdadeira crítica.


Por parte do Rolhas e Retratos, agradecer mais uma vez ao Nelson, a disponibilidade e interesse em participar nesta pequena conversa.

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