Momentos que contam – João

Nascido e criado no seu Alentejo, João Pedro Carvalho criou em 2005 o Copo de 3, onde escreve sobre vinho e de vinho sobretudo. Passados 14 anos, mantêm o gosto por descobrir o que está por detrás de tanto rótulo, sempre acompanhado de um petisco. Vamos lá a mais um Diz que Disse!


Um blog quando bem feito, há poucos por mais que custe a alguns em ler isto, é uma alternativa mais que viável a muitos dos meios tradicionais…

João Pedro Carvalho

O primeiro Copo de 3 foi servido há 14 anos atrás, ser um dos bloggers mais antigos no setor do vinho aumenta a responsabilidade quando se escreve sobre o tema?

O primeiro Copo de 3 foi servido por um “Alentejano” conhecido por ser irreverente e que era o meu nick nos antigos fóruns de vinho.  Quando decidi criar o blog, era tudo uma novidade e um mundo completamente novo para quem escrevia e para quem era o alvo da escrita. A responsabilidade é maior, pois quando tenho algo a criticar gosto de ser objectivo e com fundamento no que escrevo, deixei de ser gatilho rápido porque na realidade temos de saber entender o que se tem no copo, mesmo que em causa esteja um vinho feito por um amigo.

Afirmaste logo no início do blog que, “Com o passar do tempo vamos também tomando o nosso próprio gosto, deixamos de ter a influência de peso dos críticos”, sentes que há um sentido critico cada vez mais uniformizado no setor?

Quando começamos a provar é normal que seguimos determinada pessoa porque nos identificamos com os seus gostos. Sentia mais isso no ínicio quando a opinião estava limitada apenas a dois ou três guias de vinhos no mercado. Com o tempo vamos formando o nosso próprio gosto, como em tudo na vida no vinho é rigorosamente igual. Uma evolução natural que faz com que deixemos de estar dependentes de guias que nos orientem no que é melhor ou pior. Com o boom dos blogs/portais e com tanta gente que apareceu a escrever bem sobre os mais variados temas, essa uniformização acabou por ficar um pouco esbatida. Tanto que assim é que os ditos guias de vinho desapareceram do mercado.

Na tua opinião são os blogs uma alternativa aos meios tradicionais ou hoje, mais do que nunca, vivemos para a fotografia do rótulo e não para o conteúdo?

Um blog quando bem feito, há poucos por mais que custe a alguns em ler isto, é uma alternativa mais que viável a muitos dos meios tradicionais que se limitam a debitar press-releases. O problema que mais por aí se vê é que se não soubermos transmitir as emoções do conteúdo do que vale a fotografia?


O Vinho de Talha nunca morreu, sempre existiu no Alentejo.

João Pedro Carvalho

Sobre o tema amostras e ofertas, consideras que a maioria dos produtores olha para os bloggers como um mero veículo de promoção gratuita ou um investimento na comunidade enófila?

O blog é um veiculo de promoção gratuita mesmo quando compras os vinhos, acabas sempre por estar a promover o trabalho de alguém de forma gratuita. Mas não há almoços grátis, quem emite uma opinião sobre um produto, está sujeito a que a sua opinião não seja a pretendida da parte de quem envia a amostra ou convida para um almoço/jantar. Nesse caso o afastamento desse blog/pessoa é o mais normal acontecer. Um blog tem a capacidade de colocar toda a informação que cria numa rede que se pode consultar vezes sem conta onde quer que se encontre. Isto não acontece com um jornal nem com uma revista. Sai-lhes mais barato ao nível do número de leitores/consumidores, bombardear uma dezena de blogs com o vinho que querem ver difundido do que fazer a publiciade numa página de jornal/revista.

Muito se tem escrito sobre os vinhos de talha, e recentemente escreveste sobre o tema. Sentes que ao não se respeitar a verdadeira tradição da produção, através deste método, trará consequências irreversíveis para a região do Alentejo?

O Vinho de Talha nunca morreu, sempre existiu no Alentejo. Acontece que as tabernas deixaram de fazê-lo e a tradição foi ficando esquecida um bocadinho por todo o lado, resistiram alguns, até que hoje em dia surgiram produtores que voltaram a apostar no produto genuino, que respeita a tradição. Quem certifica é que tem de explicar porque afirma que algo não é viável como o epoxi e que depois afinal autoriza. Ainda bem que do que tenho conhecido e provado são poucos os que utilizam as talhas com epoxi. Por isso posso garantir que o Vinho de Talha nunca esteve tão bem de saúde como hoje.

Indo mais a fundo, como analisas o atual momento dos vinhos do Alentejo e o que se pode fazer mais pela região e pelas suas tradições?

Tal como em todas as regiões os vinhos no Alentejo sofreram da inexperiência dos jovens enólogos acabados de formar e que tomaram conta das adegas que iam surgindo. Vinham com os tiques do Novo Mundo onde estagiaram, mas cedo aprenderam e foram afinando o conhecimento. No Alentejo estão a caminhar de encontro ao que foram os grandes vinhos do passado, onde frescura e longevidade era coisa que não faltava, basta pensar nos Tapada Chaves Frangoneiro dos anos 80, Garrafeira Quinta do Carmo dos anos 80, dos José Sousa Tinto Velho anos 60 ou dos Mouchão dos anos 60. No novo enquadramento, essa evolução tem vindo a dar-se e para isso basta comparar as primeiras edições de muitos dos grandes vinhos do Alentejo das últimas duas décadas com as novas colheitas. Por mim é continuar a respeitar o bom trabalho que se tem feito, ao nível dos vinhos e das tradições.

São frequentes as tuas análises vínicas, praticamente passados dois meses de 2019 qual o vinho que te encheu as medidas este ano?

Mamoré de Borba Vinho de Talha branco 2016, um vinho que me fez voltar atrás no tempo e nas memórias.

Com tamanha experiência e segundo o teu gosto pessoal qual é a para ti a próxima região a despontar no setor?

A região de Trás-os-Montes está lentamente a preparar-se para isso, há por lá vinhos fantásticos a que lhes falta um pouco mais de irreverência da parte dos produtores.

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, e passados 14 anos escolhias o vinho a copo ou para o copo de 3?

Continuando fiel às origens, encostado ao balcão com um branco de talha num copo de 3 e uns petiscos por perto. Vens?


Mais uma vez tenho a agradecer a enorme disponibilidade do João em responder às minhas questões e quando estiver por Vila Viçosa vamos a esse copo de 3. Muito obrigado

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