Diz-se um eterno aprendiz, mas o seu Lisboa é um caso de sucesso em Portugal. Nascido e criado no Ribatejo, Hugo Mendes, é sem dúvida um dos enólogos a acompanhar e diz que disse que gostava de fazer vinho na região do Tejo, veremos…
Para um enólogo, todas as regiões tem o seu ponto de encanto por isso, venham bons projectos, desafios grandes e lá estarei, onde quer que seja.
Hugo Mendes
Filho, pai, marido, enólogo, crítico, e um comunicador nato. Continuará Hugo Mendes a ser um aprendiz de feiticeiro ou estamos perante um mago?
A responsabilidade manda que faça aqui um disclaimer sério. Sou: mau filho, pai desajeitado, miserável marido e seria muito infeliz no papel de crítico. Eterno aprendiz, sem dúvida! Mago deve ser muito chato, saber tudo e tal… perde-se a pica ao fim de algum tempo. Para mais, vivemos em Portugal, terra onde os magos não merecem qualquer respeito.
Arinto, Fernão Pires e agora Vital, achas que o mercado está preparado para as vicissitudes do projeto/conceito Lisboa?
Não faço ideia, mas vou a jogo o melhor que sei e posso. Depois logo veremos se dá para continuar e em que moldes. Tento ter a coisa controlada e o risco acautelado, mas sem meter as fichas na mesa nunca saberemos. Não é? Acima de tudo, acredito no produto. O resto tem vindo por acréscimo. Espero que assim continue.
Na rolha de 2018 vai ler-se: “If you’re not prepared to be wrong, you’ll never come up with anything original!”. É um pouco isso!
Acreditas que sem o recurso à comunicação digital, nomeadamente às redes sociais, o Lisboa hoje seria uma realidade ou apenas mais uma ideia de enólogo à procura de respostas para os seus vinhos?
Boa pergunta. Uma realidade seria de certeza, até porque o peso e a importância da comunicação digital só entrou perto da hora de meter o vinho na garrafa, depois de decidir que estava dentro dos parâmetros que exijo. Por isso sim, seria uma realidade, talvez nos moldes de outros vinhos de colegas meus.
Camaleão, Somnio, Mira do O, Ládano, Vadio…, são tudo projectos que nasceram de vontades semelhantes à minha. A comunicação e a forma de comercialização seguiu a linha de conforto e o “à vontade” de cada enólogo tornado produtor. Não foi diferente comigo. Mas deixa que te diga que a dimensão veio daqui, pela forma como os patronos se envolvem com o projecto. Acaba por ser algo partilhado e com a força de uma multidão. Nesse ponto devo tudo ao meio digital.
Na entrevista ao Luís Francisco para a revista Grandes Escolhas afirmaste “Sou viciado em superar os meus limites e gosto de encontrar linhas organizadoras no meio do caos”. Em que região gostavas de ter a oportunidade de criar um vinho e porquê?
Casa. Tejo. Porque é a razão pela qual sou enólogo, porque acho que há ainda muitos vinhos para se fazerem lá. Porque acredito que serei capaz de fazer algo bom. Não tem de ser em nome próprio, mas terei de ter autonomia nos departamentos chave. Fora disso, sonho com o Dão. Adoro a dureza e rusticidade da região. Para um enólogo, todas as regiões tem o seu ponto de encanto por isso, venham bons projectos, desafios grandes e lá estarei, onde quer que seja.
Não acho que tenhamos de ser especialistas para apreciar um vinho. Podemos tirar mais prazer se soubermos um bocadinho mais, nisso acredito, mas não é condição.
Hugo Mendes
Seguimos agora para a personagem Anísio Cunha tem estado bastante ativa ultimamente, sentes que o setor entrou num modelo de uniformização da crítica aos vinhos?
O Anísio é uma caricatura a todos os que falam de vinho, um boneco que me permite brincar com os tiques, mas que me ajuda a enquadrar a promoção directa de vinhos e produtores de quem gosto e acho serem merecedores de atenção. Não tem nenhuma pretensão de ser levado a sério no que ao modo crítico diz respeito.
Agora, acho que a crítica tem de olhar para si e perceber que há coisas que já não fazem sentido nem caem bem. As notas estão altíssimas e desajustadas aos momentos dos vinhos, há pouco sentido jornalístico nos artigos e posts que se publicam, não há hedonismo nos conteúdos, os novos projectos são desprezados quando mais precisavam de ser ajudados ou impulsionados e os prémios são previsíveis ou chegam tarde, quando já não fazem sentido ou não tem utilidade para aquela pessoa/entidade.
Não vejo que haja uma uniformização da crítica, há isso sim, um excesso de dependência da produção e por isso, uma necessidade gigante de fazerem uma autoscopia e de se reinventarem.
Ao contrário de muitos, entendo que o papel da “crítica” é muito importante e quero que seja forte, musculada e responsável. Desejo que tenha conteúdos formativos, informativos e com interesse. Mas manifestamente independente ou… o mais possível!
Vivemos num mundo do politicamente correto, nesse sentido achas que há espaço para o humor no setor do vinho ou corremos o risco de ser colocados à parte por não cairmos nas graças da comunidade vinícola?
Entre: 1) Ser muito sério a fazer o vinho e pouco sério a comunicá-lo, ou 2) Ser pouco sério a fazê-lo e muito sério a comunicá-lo, nunca hesitarei em escolher a opção 1, até porque nos esquecemos que o nosso ramo de negócio é o mesmo das prostitutas. Estamos cá para proporcionar prazer. Não nos deveríamos levar tão a sério nas coisas que não é para levar! Quem não gostar do meu sentido de humor não deve consumir os meus conteúdos. Simples. Ninguém tem de se aborrecer! Não consigo gostar do trabalho do Raminhos, mas raios me partam se faria alguma coisa para que ele fosse obrigado a deixar de o fazer. E até podia ser amigo dele na boa! Isto é tão óbvio que me sinto estúpido só do escrever.
Conhecendo o setor do vinho como o conheces e com a inquietude que te é associada pela pesquisa e descoberta de novos métodos de produção, sentes que falta criatividade na produção de novos perfis?
Há aí um erro. Nunca descobri nada que não estivesse já lá. O que tento é compreender e dar sentido científico ao que se faz e se fez e depois adaptar isso da forma que melhor se enquadre com a vida de um determinado vinho, se for o caso. Não há falta de criatividade no sector. O que falta é vontade/coragem/oportunidade de os assumir e defender. Não é fácil vender vinho e dá muito trabalho introduzir no mercado um conceito novo e diferente. É por isso que a maioria prefere ir atrás das modas, porque parte do trabalho de comunicação já se encontra feito por outros e a receptividade do consumidor é maior. Mas isso é da adega para fora. Ficarias surpreendido com coisas que nunca chegam a ver a luz do dia.
O teu primeiro post está prestes a comemorar 11 anos, nele dizias que era tua intenção ajudar enófilos a desmistificar a forma como o vinho se faz hoje. Passado este tempo achas que vivemos num mundo de entendidos ou queremos passar por tal?
Se calhar a malta anda a ler o meu blog há 11 anos e tem motivos para se considerar especialista! Agora a sério. Não acho que isso seja um problema e para mim não é assunto de reflexão séria. Não acho que tenhamos de ser especialistas para apreciar um vinho. Podemos tirar mais prazer se soubermos um bocadinho mais, nisso acredito, mas não é condição.
Agora, se tu queres falar da malta que se arroga no direito de ser considerada especialista. Não me aborrecem, boa parte deles até me diverte e são uma inesgotável fonte de inspiração para o Anísio. Divirto-me muito a ler e ouvir o que dizem! Só me aborrece quando os jornalistas, que têm responsabilidades, tomam posições que não têm de tomar, sobre assuntos que não dominam. Isso deixa-me piurso.
Será que eu sei? Mais do que uma rubrica, um momento educativo de partilha em família. Para quando uma temporada dedicada às palavras do vinho?
Essa é função do Jack e do Anísio. O “Será que eu sei” é uma brincadeira de família que por acaso diverte outras pessoas. Não pretendemos tomá-la para o vinho. Vamos deixar assim como está! Eh Eh Eh.
Não dispensas uma boa corrida, sentes que estar neste mundo é como correr uma maratona em que só os mais persistentes, física e mentalmente, aguentam até ao fim?
Não, até porque o nosso meio é pequeno e ainda muito aristocratizado. Muitas vezes basta que tenhas um sobrenome giro, ser filho daquele amigo ou gostares de algo que te coloque num círculo especial de pessoas e estás feito para a vida. O mérito abunda mas está longe de estar generalizado.
No entanto, é giro que me faças essa pergunta, porque olho muitas vezes para a corrida como uma metáfora da vida ou melhor, como uma projecção de mim próprio. Gosto de projectos difíceis, complexos e trabalhosos, sou viciado em chegar mais longe, em tentar o inatingível. Sou paciente e persistente.
Na corrida gosto das grandes distâncias, daquelas que nos desafiam corpo e mente, resistência e resiliência. Vou ao ponto de odiar rotinas e na corrida, o pior que me podem dar são circuitos repetidos ou retornos (que é quando vais para lá numa faixa e depois fazes o caminho inverso pelo mesmo sítio). A previsibilidade deixa-me doente. Sou assim, mas aceito e percebo a lógica de quem é pelas distâncias curtas. Trabalha-se no limite, dá-se tudo imediatamente e tem-se resultados imediatos, mesmo que menos consistentes e com menos fundações.
Já tive a oportunidade de agradecer toda a disponibilidade, mas nunca é de mais deixar um obrigado ao Hugo Mendes pelas suas respostas. Não se esqueçam de passar na Venda do Mendes, digam que vêm daqui e comprem o Lisboa!